O Google vai pagar para que notícias selecionadas de sites jornalísticos apareçam no Destaque (News Showcase, em inglês) do app Google Notícias. "Globalmente, e o mais rápido que conseguirmos", anunciou Richard Gingras, vice-presidente de notícias de empresa, em entrevista para poucos jornalistas da América do Sul, incluindo Tilt, o canal sobre tecnologia do UOL. Segundo Gingras, o plano já está em andamento, com equipes montadas pelo mundo. Esta curadoria de notícias já vale para Austrália, Brasil, Alemanha e França.
É uma guinada importante na postura da gigante das buscas. Quando a Austrália avançava para aprovar a lei que obriga as plataformas de tecnologia a remunerarem os veículos de mídia, o Google ameaçou deixar o país e passou a exibir banners dizendo que os serviços grátis de busca estava "em risco" e os dados das pessoas seriam compartilhados com as produtoras de conteúdo —o ACCC (Australian Competition and Consumer Commission), espécie de Cade local, respondeu que isso era desinformação.
Na época, a empresa alegava que já existia "uma troca substancial de valores nos dois sentidos" e a mídia obtinha muito mais benefícios do que gerava.
No Brasil, a postura não era diferente. Quando entidades do setor de comunicação pressionaram pela remuneração, o Google reagiu dizendo que isso seria "prejudicial ao combate à desinformação ao limitar acesso a uma variedade de fontes de informação". E mais uma vez disse que os sites jornalísticos já tinham um "volume sem precedentes de leitores" que podiam ser monetizados por meio de anúncios.
Meses depois, quando o parlamento australiano estava prestar a votar a nova lei, a empresa subitamente voltou atrás e correu para fechar contratos com os principais meios de comunicação australianos.
Agora, decidiu estender a prática mundo afora. Para se ter uma ideia, Google e Facebook abocanham, sozinhos, de 60% a 80% de toda a verba de publicidade online brasileira, segundo estimativa da ANJ (Associação Nacional de Jornais). "Somos uma empresa de anúncios, e os publishers [empresas de conteúdo] recebem a maior porcentagem. Não ganhamos dinheiro se vocês não ganharem", explicou Gingras. (Aqui, ele se refere ao AdSense, ferramenta do Google para produtores de conteúdo digital exibirem anúncios em suas páginas. Funciona mais ou menos como se você tivesse um terreno e alugasse um espaço dele para colocarem um outdoor. Nesse caso, 70% do valor fica com o publisher e o restante, com o Google.
Há dez anos no Google, o executivo foi o responsável por produtos como o Google News Initiative (que desenvolve soluções para sites jornalísticos), o AMP (ferramenta que faz páginas web abrirem mais rápido em celulares) e o Assine com o Google (sistema que permite leitores assinarem sites em poucos cliques). Na entrevista a seguir, ele explica como enxerga essa relação entre a "banca virtual" que o Google acredita ser e os fornecedores de conteúdo.
Como o Google vê o cenário atual do jornalismo online?
Richard Gingras: Uma resposta geral seria: jornalismo é importante para a nossa sociedade. Mas, a relevância e o valor da busca [no Google] dependem de conteúdos ricos, como vídeos do YouTube sobre como consertar seu ralo ou a receita de um novo coquetel. É importante ter um ecossistema diverso, e continuaremos a fazer esforços para que a internet se mantenha assim. Somos uma empresa de anúncios, e os publishers recebem a maior porcentagem. Não ganhamos dinheiro se vocês não ganharem. Então, é muito importante ajudarmos os sites jornalísticos a terem sucesso.
E qual o papel do Google nisso?
Richard Gingras: Vejo o Google como a maior banca de notícias do mundo. E o mais importante: os publishers não precisam pagar para estar nela. Por mês, redirecionamos 24 bilhões de visitas para organizações de mídia. No jornalismo impresso, as bancas e outras formas de marketing representavam um terço dos gastos [as publicações podem pagar, por exemplo, para estar em local de destaque].
Mas o Google é acusado de criar um cenário de concorrência desleal na publicidade online, um dos maiores faturamentos dos veículos de mídia...
Richard Gingras: Publishers promovem essa ideia, mas se você olhar para os detalhes econômicos, verá que não é verdade. Os classificados e anúncios de lojas de departamento [modelos de anúncios comuns em jornais de papel] desapareceram com o mercado online. Não é culpa do Google. Um dos nossos elementos de sucesso é anunciar pequenos negócios, que não conseguiam pagar para estar em um jornal.
Então, creio que há uma distorção sobre a "quebra" deste mercado. Acreditamos que nossos consumidores confiam em nós e nos respeitam, e continuaremos a trabalhar com os publishers e com governos para assegurar que tenhamos relacionamentos construtivos.
O que mudou para que o Google anunciasse que vai pagar por notícias?
Richard Gingras: Buscas por notícias representam menos de 2% de nosso volume de pesquisas. As pessoas vêm para o Google porque procuram uma geladeira nova. Obviamente que é aí que você vê propagandas e nos faz ganhar dinheiro. Nisso, os publishers representam uma porcentagem baixa de receita. Na Austrália e na França, por exemplo, dá menos de US$ 10 milhões (cerca de R$ 57 milhões) por ano em cada país.
O hard news [notícias do dia a dia] não é o mais atrativo para vender anúncios. O que os anunciantes buscam é relevância contextual, que leva alguém a comprar um produto. Então, estamos investindo mais do que ganhamos. Não digo isso como uma reclamação, pois é de grande importância para nós que tenhamos um ecossistema saudável. Este investimento é bom para os nossos negócios, e é muito melhor para uma sociedade aberta.
Como o Google decide quem entra no Destaques?
Richard Gingras: Para termos um ecossistema diverso, não vamos ficar só nos grandes grupos ou na mídia tradicional. Também é sobre os pequenos e sobre veículos totalmente digitais. O critério é muito direto: o veículo deve produzir conteúdo noticioso diário. Aí estruturamos o pagamento baseado na audiência da publicação.
Então, não é nenhuma surpresa que um site com milhões de leitores vai receber uma mensalidade maior que um com dezenas de milhares. Isso não quer dizer que os menores sejam menos importantes, só significa que lidam com uma fatia menor.
E quais os esforços para corrigir os seus algoritmos que destacam ou remuneram sites de fake news?
Richard Gingras: Investimos muitos recursos e esforços para isso. Gastamos muito tempo para evoluir nossos algoritmos, particularmente os de busca, para assegurar que não estamos destacando fake news.
A busca do Google, por definição, deveria permitir que você busque qualquer assunto que seja legal em seu domínio. Então, dependendo da sua pesquisa, é possível achar conteúdos ruins. Nos EUA, se quiser buscar por "supremacia branca", você com certeza vai achar resultados —acho que todo jornalista quer saber o que acontece nos cantos "obscuros" da web. Mas, tem uma grande diferença entre achar esta informação e torná-la visível.
O ranking é feito com base em autoridade e relevância. No geral, fazemos um bom trabalho, mas isso requer estar sempre vigilante para responder a novos riscos. E sempre há um novo vetor. Acredito que a melhor solução é superar informação ruim com informação boa. Vamos apoiar a evolução do ecossistema que temos, que é sustentável, independente e pratica um jornalismo de qualidade.
Qual o desafio do Google para rebater fake news citadas por autoridades, como presidentes?
Richard Gingras: Percebemos ao redor do mundo que desinformação não vem só dos "cantos obscuros da web", feita por gente mal-intencionada que quer ganhar dinheiro com publicidade AdSense. Temos desinformação vindo de grandes veículos de mídia e de líderes políticos. Este é um problema grande na nossa sociedade.
Nos EUA, quando tiramos do ar o canal "Infowars" do YouTube, a resposta foi uma ameaça de investigação pelo Departamento de Justiça. Então, são desafios políticos complexos, que temos ao redor do mundo. Fazemos nossa parte, mas temos que reconhecer que este é um problema muito maior.
Fonte: Tilt Uol